Conto: O doce e o cão

Primeiro texto da Série Autonomia Espiritual: Uma jornada em busca da espiritualidade livre.

Meu nome é Marcia Vasconcellos, sou psicóloga, buscadora e aluna do Círculo. Conversando com o Juliano Pozati fui desafiada a falar sobre Autonomia Espiritual, algo que acredito muito e também busco na minha caminhada evolutiva. Resolvi então fazer isso na forma de uma série de artigos e reflexões que estamos chamando de: Autonomia Espiritual: Uma jornada em busca da espiritualidade livre. Este é o primeiro, na forma de conto, espero que gostem e que compartilhem suas impressões.

Numa manhã, aparentemente como outra qualquer, numa localidade da baixada fluminense, no Rio de Janeiro, uma senhora de aproximadamente 58 anos de idade se prepara para ir a uma consulta médica de rotina, enquanto seu marido, já pronto, se despede correndo para o trabalho.

_ Querida, estou indo. Fique com Deus. Boa consulta.  

E sai às pressas, não dando nem tempo de sua querida esposa lhe responder.

Ela, então, se dirige à cozinha e como ainda tem um tempinho, decide pegar uma fatia de bolo de chocolate. Não devia. Mas, já faz tempo que está precisando de um docinho… sente-se tão solitária. Mal conversa com as pessoas, são trocas superficiais, passageiras, em que não se tem realmente tempo de parar para interagir e se interessar pelo que o outro tem a dizer, como se sente, o que pensa, quais são “ as delícias e as dores de ser como se é”… 

Nem mesmo com seu marido, com quem é casada há tantos anos, tem conseguido conversar mais. Ele é um bom homem, trabalhador, amoroso com tudo e com todos, bom pai, honesto, íntegro. Porém, o tempo e as preocupações do mundo moderno têm consumido suas forças e energias. Anda tão desgastada. As coisas são tão caras, a vida é tão corrida. Como tudo mudou! Ela nunca pensou que fosse passar por tanta coisa!

Deus lhe agraciou com duas lindas filhas. Inteligentes, estudiosas, determinadas. Uma mais rebelde, aventureira, desbravadora, com visão empreendedora. De estilo independente, saiu de casa cedo e mora sozinha na grande São Paulo, onde se estabeleceu em um projeto arriscado na área de computação gráfica, em uma empresa de porte pequeno, que vem galgando espaço no mercado. A mais velha, formada em Economia, casou-se cedo, mas ainda não lhe deu netos. Ambas, cada qual com seu estilo, estão voltadas para seus ideais e projetos pessoais. 

No íntimo de seu ser, seu maior sonho nessa altura do campeonato era ser avó. Ver crianças correndo pela casa. Que alegria! Sente falta dessa presença. Bem, um dia será. No tempo de Deus. De qualquer forma, não pode se queixar. Tanta gente por aí em situação muito pior do que ela. Ingrata. Sente-se até mal por isso. Afinal, hoje, mostrará seus exames de rotina para seu médico endocrinologista e sua diabetes está controlada. Pode se dar ao luxo de um docinho para acompanhá-la nesta solidão. Há quem nem tenha pão à mesa. 

De repente, escuta a porta da sala batendo. Ela havia ficado entreaberta na correria do marido ao sair de casa. A vizinhança é tranquila. Todos se conhecem na pequena vila em que moram. Contudo não têm tempo de conversar… Se apreciam, se respeitam, se ajudam quando necessário; mas não trocam nem convivem. Uma lástima.

Escuta os passos… devagarinho eis que chega ele: o cão. Sem nome, sem dono e de todos, ao mesmo tempo. Vem abanando o rabinho. Olhar meigo e feição ‘sorridente’. Um típico vira latas marrom e malhado, parrudinho, ‘de casa’. Esse sim, interage e faz social com todo mundo.

Ele a cheira, a lambe, e depois de uma gostosa e longa troca de afagos, se senta aos seus pés. Parece que sentiu sua necessidade de carinho e atenção. A senhora, então, pega sua fatia de bolo e começa a comer. Saboreia bem devagar seu docinho em companhia do cão sentindo uma leve brisa entrando pela janela. E assim que, aos poucos, foi empalidecendo, sentiu as mãos ficarem gélidas e suadas, uma tonteira e um mal estar inexplicável que, súbita e repentinamente, a fez desfalecer na cadeira e tombar no chão com o garfo na mão, aos pés do cão, inconsciente.

O pobre animal, atônito com a cena, ficou alvoroçado sem saber o que fazer. Andava de um lado para o outro, lambia a senhora, desesperado, na tentativa de que ela recobrasse os sentidos. Latia alto, mas ninguém aparecia. A senhora lá ficou estendida, imóvel, cada vez mais cadavérica. E o cão, confuso e triste, desolado, deitou ao lado dela.

Por volta do horário do almoço, tendo em vista que a paciente faltou à consulta sem nenhuma explicação, a secretária após inúmeras tentativas mal sucedidas de entrar em contato com a mesma, conseguiu falar com seu esposo sobre a situação. O marido, então, preocupado, foi para a casa às pressas. E chegando ao local se deparou com o inevitável da situação. Já havia se passado algumas horas do decorrido.

O(a) querido(a) leitor(a) deve estar curioso(a) e se perguntando o que, afinal, esse conto tem a ver com a proposta da série: Autonomia Espiritual – uma jornada em busca da espiritualidade livre.

Bem, vamos a algumas considerações.

A diabetes foi uma das primeiras a integrar o grupo das doenças psicossomáticas na década de 1940 pelos então pioneiros neste estudo. Interessante também ressaltar que há algum tempo existem algumas amarrações que correlacionam a diabetes especificamente com a solidão. Faz algum sentido para você?

Várias doenças podem, devem e estão sendo, cada vez mais, consideradas psicossomáticas. De modo amplo e geral, elas se caracterizam por desencadear manifestações somáticas em áreas do corpo físico que são para aquele indivíduo em específico, são os denominados órgãos de choque – órgãos mais suscetíveis ao adoecimento. Você conhece o seu órgão de choque? Qual a parte de seu corpo mais vulnerável à manifestação de sintomas somáticos?

Cabe ressaltar, no entanto, que um ponto sine qua non, no que tange à manifestação das doenças psicossomáticas, é a impossibilidade de expressar emoções, afetos, sentimentos. Por algum ou vários motivos, as pessoas se calam. E o corpo, então, adoecido, fala simbolicamente através dos sintomas. Isso diz a você alguma coisa?

Contudo, o mais relevante que quero salientar neste momento, neste início de bate papo e interação a respeito de autonomia espiritual e jornada em busca da espiritualidade livre, são os seguintes pontos para reflexão:

  • Assim como na história contada, você se sente solitário(a) em sua vida atualmente, ainda que cercado(a) de pessoas em seu redor?
  • Você percebeu que, no conto, não foram incluídos propositalmente, nomes aos personagens? 
    • Então: você se sente como um(a) anônimo(a) neste mundo? Um(a) estranho(a), isolado(a), não pertencendo? Em busca de alguém que o(a) compreenda e com quem possa trocar experiências? Compartilhar… Ser quem você realmente é?
  • Como você se sente em seu processo de espiritualidade atualmente?
  • Você consegue partilhar suas vivências, crenças, histórias, processos, com outras pessoas reais de sua vida?
  • Você acredita que muito do que você é hoje e que interfere no que você crê no momento tem sido influenciado por seu trajeto de vida familiar, costumes, crenças, criação, culturas, hábitos, expectativas, projeções, mitos, ancestralidade, que lhe foram passados de forma consciente ou inconsciente através do tempo?
  • O que mais chamou sua atenção no conto? Ele tocou você de alguma forma?

Bem, a proposta desta série, é a partir de experiências e vivências pessoais, podermos conversar sobre nossos percalços no caminho rumo a nossa jornada em busca de uma identidade mais genuína e mais autêntica a respeito de quem nós somos, de onde viemos, aonde estamos e o que podemos contribuir com o mundo em que vivemos para quando daqui partirmos. Sabendo que não estamos sós. É apenas uma questão de perspectiva. 

Eu estou nesta busca tanto quanto vocês e me sinto muito privilegiada e honrada em ter sido convidada para escrever e partilhar nesta série um pouco desse processo em construção.

Sigamos em frente, “no fluxo e de boa”.

Um grande beijo e até a próxima.
Com carinho,
Marcia Vasconcellos

7 respostas

  1. Olá círculo amado, se me permitem partilhar minhas observações… me identifiquei com alguns detalhes, tenho 56 anos, 2 filhas, uma vive em SP – toda desbravadora, a outra ainda é pequena e bem singular, toda artista e família. O companheiro está no processo de descoberta mais acentuada neste momento!!! Não tenho doenças autoimune e nem nada!!! Mas porque decidi mudar minha postura diante da vida quando minha pequena nasceu, a 11 anos atrás. Decidi virar a mesa e romper com crenças extremamente limitantes, ainda estou rompendo muitos desses fios que me agarram no sistema, ou em Maya. Tanto que estou aqui nessa escola, nessa comunidade em busca de conhecimento e autoconhecimento. Minha relação com a natureza, com os minerais, vegetais, animais e humanidade se transformou e vem se transformando. Hoje converso com minhas árvores, flores, ervas, converso com minha horta. Tenho uma empatia pelos animais que me sinto mal quando mato uma formiga, não quero mais fazer isso. Todos são importantes no meu caminho. Praga na horta não existe, mas seres que vieram contribuir para a melhora do solo. As árvores chegam a ser minhas amigas intimas tamanha a conexão que acontece entre nós. Queridos não foi fácil virar a chave, mas percebi que se quero brilhar a minha luz, então EU MESMA tenho que buscar o conhecimento, sou EU quem tenho que ir ao encontro de mim mesma e da Consciência Maior para TUDO mudar. Agora comecei a estudar o Crudivorismo e o Yoga, mais ferramentas de melhoria de meu ser, e confesso que estou me descobrindo mais ainda em todos os níveis. Amigos peço humildemente que não me julguem por falar com as plantas, com a água, com as pedras, com os animais, falar com ETs, com Mestres que se aproximam para me orientar mais e mais, esse é o meu processo. E tem sido maravilhoso e confortante. Se hoje eu caísse da cadeira desfalecida dessa vida… eu iria feliz!!!! Mas ainda tenho que melhorar muito, mas muito mesmo. Enquanto houver dores e solidão nesse nosso planeta, terei que melhorar a mim mesma!!!! Enquanto houver escuridão, terei que melhor a mim mesma!!! Gratidão pelo espaço, gratidão por todos, gratidão por esse CÍRCULO iluminado na minha vida!!!!

    1. Olá Helga! Que lindo depoimento e muito grata pela partilha! Eu também amo minerais (tenho muita conexão com cristais), plantas, animais (converso com todos eles também). E essa interconexão com os Mestres, ET, Guias, Xamãs, Anjos, ou como cada um se sinta mais confortável em denominar, considero super bacana e válida. São as experiências de uma busca de espiritualidade autêntica em congruência com nossa essência, nossa jornada interior, nosso self. Faz parte de nosso processo de individuação, que traz consigo necessariamente, uma ampliação de consciência. Não é exatamente o que estamos todos aqui buscando? Nesse espaço de livres pensadores? Um beijo carinhoso, Marcia.

    2. Belo depoimento Helga! Também estou nesta busca. Ainda no processo para virar a chave. Me identifiquei muito contigo no que se refere a sua conexão com a natureza, com os animais e com os amigos estelares. Obrigada queria!

  2. Olá, Marcia! Que texto gostoso de ler!!! Adorei a entrada do vira-lata!!! Estou na fase da sintonia com os animais, ampliando meu amor por eles ainda mais neste momento de expansão de consciência (“estou” vegetariana já há um ano!!!). Mas o quê mais me chamou a atenção foram suas considerações pós texto… Acredito que cada um acaba fazendo conexões que por vezes, se cruzam ou se distanciam das que você propõe, por isso achei importante você reforçar alguns pontos. Lendo suas reflexões tive mais certeza de que as doenças todas são reflexos e/ou manifestações físicas do que carregamos de pesado na mente, na alma e no coração….veja que se trata de 3 “lugares” diferentes, portanto, os reflexos no corpo são tão variados, para cada ser. E você, nesse primeiro conto, nos mostra que essa é mais uma grande “sacada”: olharmos para nosso corpo, perceber onde dói, o quê incomoda, o quê adoece….para então, começar a investigação!
    Estou aqui aguardando seus próximos textos para fazermos, juntas, outras importantes reflexões!!!
    Tá vendo como não precisamos nos sentir sozinhos??? Agradeço a você e ao querido Circulo por (mais) essa oportunidade!!!

    1. Oi Luciana! Realmente não precisamos nos sentir sozinhos . Eu sempre digo, até porque creio e sinto isso , que nunca estamos sós. Mas, obviamente que, muitas vezes enquanto encarnados, necessitamos de trocas e interações como essas aqui e que muitas vezes , como no conto, não tem mais acontecido por tantos motivos … até que num dia como outro qualquer, eis que não será mais possível mesmo … As doenças são sintomas, manifestações físicas de que algo já não está legal, não está funcionamento bem em outro campo (espiritual, mental, emocional), que estamos em desarmonia , fora de sintonia com nosso propósito de vida , com nossa essência . Precisamos ficar alertas. E isso, sim, é uma importante observação e sacada ! O que dói? Onde dói? Por que dói? Será muito bom estarmos juntas para trocarmos e partilhamos outras reflexões! Te espero ! Um beijo 😘

  3. Amei o texto. Toda vez que fala de se sentir só mexe comigo. Eu sei o que essa senhora sente. Esses questionamentos que você trouxe no final me descreve e eu já tenho consciência disso. Estou nesse processo de me acolher, seguir a minha essência. Eu tinha uma conexão legal com a espiritualidade que ao longo dos anos foi se distanciando conforme eu fui achando que precisava ser mais racional. Era tão gostoso sentir, viajar na maionese haha, mas também tinha o sentir que doía e com o tempo doía mais do que era gostoso, aí fui me fechando para o sentir e automaticamente fechando a conexão com a espiritualidade (hoje percebo que ela se conecta pelo sentir). Ouvi tanto que eu sonhava demais e precisava ter os pés no chão, acabei acreditando que ter nos pés no chão era impeditivo de sonhar. Ter os pés no chão não aliviou meu sofrimento e percebi que ser racional demais também dói e acho que dói até mais viu. Hoje estou resgatando o meu sentir, mas entendo que foi muito importante esse processo de ser mais racional porque me ajudou a sair da ilusão e encarar a realidade. Hoje, estou treinando o equilíbrio entre mantenho os pés no chão e o coração nos sonhos para poder concretizar. Eu ainda tenho dificuldade em ser clara nas palavras, pois não sei descrever o sentir, apenas sinto. De repente, seja isso, só sentir e emanar isso para que outras pessoas sintam ao invés de entender. O meu sentir entende o que sente, a cabeça não entende o sentir haha. Olha que doido isso rsrs. Eu acho até graça dessa doideira toda e sei que é esse o caminho, aceitar quem eu sou e como sou. Eu sou feliz me aceitando assim. Tenho conseguido muita conexão com a espiritualidade, com as pessoas, as plantas, os animais e objetos também, tudo isso a partir do meu sentir.

    1. Oi kelly. Muito bacana você deixar sua mensagem e partilha aqui. Não são raras as vezes em que vamos de um extremo ao outro em diversas situações. Mas penso que o equilíbrio só pode realmente ser alcançado a partir das experiências e do auto questionamento, do autoconhecimento e da expansão da consciência, que é o que buscamos aqui, por exemplo, como em outros lugares. Tantas vezes nos deixamos influenciar e nos fechamos, até mesmo por defesa, nos encapsulamos, nossas essências, nosso verdadeiro self, porque os outros não conseguem nos compreender e conviver com as pessoas é um grande desafio e oportunidade de crescimento, mas doloroso também. Precisamos realmente acessar nossa espiritualidade para termos base sólida e edificada em raízes, em terreno firme para que não tombemos com qualquer vento que sopre, mas ao contrário para que possamos vibrar luz e amor às pessoas a nossa volta que ainda não conseguiram alcançar graus que até pouco atrás nós mesmos não ainda não vislumbrávamos. Se hoje estamos aqui trocando não é por acaso. Outros virão a nós e precisamos estar preparados para, através de nossa essência individual, manifestarmos o divino para alcançarmos pessoas como é o mandamento crístico. Gratidão pela partilha. Beijos.

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