Uma igreja em forma de Círculo?

A Alicia Ayala publicou um artigo muito interessante aqui no Círculo sobre A busca de um guru para chamar de meu. Me senti, de alguma forma, provocado por aquele texto que calou fundo com algumas elaborações que tenho percorrido aqui dentro de mim e senti que deveria compartilhar uma experiência que considero muito significativa e proveitosa para as nossas reflexões de final de ano.

Palestrei, em novembro de 2019, no I Congresso Internacional da Uniespírito em Portugal e, de quebra, tirei alguns dias para espairecer (afinal, ninguém é de ferro). Apesar de termos viajado num pequeno grupo de amigos do Círculo, em uma segunda-feira de sol, me vi sozinho a vagar pelas margens do Rio Douro, em Porto. Tenho enfrentado algumas situações tantas em minha vida pessoal que senti que precisava “pensar com as panturrilhas”, como diz Dr. Sérgio Felipe.

Andei uns dez quilômetros ao todo naquele dia e, obviamente, me vi em meio a muitos conflitos e aflições interiores, mas sobremaneira torturado pela ideia de como questões pessoais da minha vida poderiam vir a afetar ou prejudicar o desenvolvimento do Círculo como movimento, o qual sou apaixonado de corpo, alma e espírito. Esta é, claro, uma vaidade infantil, já que o Círculo não é o Juliano Pozati, e vice-versa.

Mais um agravante: já repararam que, quando estamos em meio à crises e dilemas pessoais que nos apertam o coração, parece que não tem nenhum espírito, mentor, ET, anjo da guarda, caboclo ou coisa que o valha ao nosso lado? Nosso plano mental fica chiando como um rádio que simplesmente não sintoniza estação alguma. O místico João da Cruz chamava esses períodos de “noite escura da alma”, Teresa D’Ávila de “deserto”. A sensação é de uma angústia profunda em nossa alma, como se diante dos problemas e dramas da nossa vida, as esferas espirituais simplesmente se calassem e o silêncio nos constrangesse a trilhar sozinhos o trecho mais duro do caminho. Assim eu me encontrava, com a diferença de que sabia que não se tratava de silêncio da “parte do alto”, mas de excesso de barulho da “parte de baixo” (no caso, eu… risos).

Na incapacidade de ouvir com clareza os amigos do mundo espiritual em meio ao turbilhão de emoções que experimentava, juntei o Princípio de Correspondência com o slogan da Johnnie Walker, e simplesmente kept walking (continuei andando)…

A certa altura, perto da Ponte Dom Luiz, avistei no alto uma igreja que me chamou atenção (eu ainda sou meio igrejeiro quando visito a Europa). Tratava-se, vim a saber depois, da Igreja da Serra do Pilar. Me senti atraído por uma força familiar, um impulso de para lá me dirigir. Peguei o teleférico, e chegando à sua base, iniciei a longa subida da ruela de pedras gastas que leva até o dito templo, indagando porque raios precisava visitar mais uma igreja e, ainda por cima, com uma subida daquelas (gordinho sofre nessas horas).

Vista da cidade do Porto a partir do pátio da Igreja da Serra do Pilar.

Ao chegar na porta do prédio católico construído em 1672, três surpresas: a primeira é que estava fechado para reforma, frustração compensada apenas pela vista deslumbrante da cidade do Porto, a partir do pátio do local, que também abriga o Mosteiro de Santo Agostinho da Serra do Pilar. A segunda surpresa, não menos surpreendente, por assim dizer, é que os jardins que ladeiam a igreja são decorados com antigos canhões de guerra, um verdadeiro museu da incoerência vivida outrora (e nesta hora também) por muitas instituições religiosas de todo o mundo.

Igreja da Serra do Pilar.

Quando tudo parecia ter terminado em turismo frustrado e gordinho ofegante, parei em frente ao templo, que tem sua nave frontal em forma de círculo. Foi quando, para minha doce surpresa, uma voz nítida penetrou como uma flecha os meus pensamentos e disse:

O fizemos visitar esta igreja em forma de círculo para lembrar que o movimento do Círculo não pode ter forma de igreja. É isso. Já pode seguir com a caminhada de elaboração dos seus dramas pessoais.

Quanto significado em apenas uma frase! A busca do guru, como foi dito pela Alicia, impõem sobre aqueles que estão à frente de iniciativas espiritualistas contemporâneas a aura de santidade e eleição que, no ocidente era outrora atribuída ao clero e sobretudo ao pontífice, envolto ainda pelo dogma da infalibilidade papal. Ou seja, por estar onde está, e exercer o papel que exerce, a doutrina católica considera o papa como um cara infalível para questões de fé e moral. Sua voz é considerada a voz de Deus na Terra.

Não precisa ir muito longe para perceber que não estamos livres de pensar assim em meio à uma sociedade tão carente de “heróis nacionais”. Não tem problema nenhum admirar uma Mônica de Medeiros da vida, um Robson Pinheiro, uma monja Coen. Mas daí imaginar que estes seres humanos não são atingidos pelos mesmos dilemas e crises que nós somos, e continuar depositando em um líder o papel de ser infalível ponte para o transcendental, já é sinal da pouca maturidade que temos diante da autonomia filosófica que nos cabe. Criamos inconscientemente um novo pontificado, e torturamos quem mais admiramos com a expectativa da obrigação de nunca errar, nunca cair, nunca chorar, nunca passar por problemas pessoais e precisar do socorro oportuno de uma rede de amigos.

Líderes sofrem a pressão, e não raras as vezes se privam do direito de “falhar”, de “errar”, de passar por crises e se reinventar. Aprisionados na própria persona pública, continuam desempenhando um papel de fortaleza intrépida, como se humanos não fossem. “O que as pessoas do movimento vão pensar de mim se me virem assim, tão fragilizado, cheio de conflitos, dramas, dificuldades e emoções para elaborar?” – era a ridícula preocupação que me assolava em meio à caminhada. E o que me ocorre hoje é que, pior do que “o que as pessoas irão pensar?” é “o que elas já estão pensando sobre mim?”. Porque no fundo, o palco, a luz, a habilidade de se comunicar, a facilidade de integrar saberes, provocam invariavelmente a ilusão de que somos melhores, mais evoluídos e de que escapamos do patamar das crises e dilemas comuns ao processo evolutivo.

Gente, é justamente o contrário! Porque somos gente, seres humanos, simples assim. O conhecimento não faz de qualquer um de nós pessoas iluminadas que habitam um patamar distante dos problemas comuns a todos. Dizemos aqui no Círculo que Conhecimento gera Movimento e Transformação. Todo movimento gera atrito, gera conflito, gera crise. E é bom que assim o seja, pois toda crise é sintoma de movimento. Se não tem atrito, é inércia!

A Simone Abate, compartilhou conosco uma clarividência que acessou esses tempos e que muito ilustra isso. Na visão, o movimento Círculo era como um pulmão que se enchia, recolhia todo o ar e ficava grande. Daí processava e se esvaziava. Num continuum vivo. Crescia se encher de ar e depois se recolhia para assimilar o ar adquirido. Meditando sobre essa imagem, logo a conectei com o que estou compartilhando aqui. Ora, o que acontece com o oxigênio que os pulmões absorvem? É enviado às células. E aí, o que acontece? ELE QUEIMA!, libera energia e coloca o corpo em movimento. Todas as vezes que alcançamos um novo patamar de conhecimento esse saber vai queimar dentro de nós como oxigênio. Vai queimar porque precisa provocar a liberação da energia aprisionada em nossas questões mais íntimas, ainda passíveis de elaboração. E isso acontece com todos nós, sem exceção. Inclusive com este que vos escreve (e bota inclusive nisso… risos).

Mas e o peso da responsabilidade? “Se o Juliano fizer isso, eu deixarei o Círculo”, “se o Pozati falhar neste sentido, o Círculo perde o sentido para mim”. Ouço isso constantemente e me ponho a refletir se esta pessoa já conseguiu acessar o que estamos tentando construir juntos. No vôo de volta ao Brasil, essas angústias pessoais foram ainda mais apaziguadas por um mestre que se materializou diante de mim. Bem, não exatamente diante de mim, mas de Luke Skywalker, no episódio VIII de Star Wars (risos). Em meio as suas crises interiores, sentido-se um Jedi fracassado diante da responsabilidade de continuar a filosofia com novos aprendizes que se desviaram da ideia inicial, o próprio Mestre Yoda se materializa diante dele, lhe dá com a bengalinha na cabeça dura e diz, entre uma coisa e outra:

Não entendeu minhas palavras, não é? Passe o que aprendeu. Força, domínio. Mas fraqueza, tolice, fracasso também. Sim, falhas, acima de tudo. O maior professor o fracasso é. Luke, nós somos o que deles cresce além. Esse é o verdadeiro fardo de todos os mestres.

Desejo que, para além dos dogmas de uma liderança santa e perfeita, sejamos um movimento filosófico livre e espiritualizado, capaz de aprender com as habilidades dos que admiramos mas também com as dificuldades que com eles somos chamados elaborar e superar. Ninguém tem obrigação de estar 100% bem, espiritualizado e iluminado o tempo todo. A vida é uma bebida doce e amarga num único shot, e nós temos que tomar tudo. A bittersweet symphony of life! Que todo sabor seja saber, e todo saber seja transformação, fluindo sempre em coerência com a verdade que somos capazes de fazer emergir em nós, na certeza de que seres e humanidades elevadas interpenetram a nossa dimensão e nos acompanham sempre, pois já sabem que o melhor de nós ainda está por vir!

Abraço grande,
Sempre avanti! Che questo è lá cosa piú importante!

Juliano Pozati

5 respostas

  1. Olá Juliano, espero que esteja bem, nem sei se você ira ler este comentario mas vamos lá. Como você se escancarou mostrando sua fragilidade, eu gostaria de compartilhar com você a mesma fragilidade. Eu estou vivendo este momento escuro da alma sabe, não tem nada de especial com relação a mim, mas sei exatamente como é sentir essa escuridão da alma, e lendo seu ralato, de alguem que já tem um nível de experiencia muito mais adiantado que eu de contato com outros seres, me ajuda a superar esse sentimento de vazio e silencio na “busca de um mentor para chamar de meu”. Quando cheguei no circulo estava muito perdido, hoje estou um pouco menos, rsrsrs. O que eu realmente quero dizer é que cada um de nós sempre será limitado pelas proprias experiências, pelo menos é o que eu penso baseado em mim. Um dia me peguei refletindo sobre como reconhecer Deus sem que eu pudesse ser enganado ou iludido sabe, e a unica resposta que fez sentido para mim é que Deus não pode ser mostrado, ele precisa ser visto, se ele precisa ser visto, logo ele aparece para você ou você precisa ir a procura dele, o que faz sentido para mim já que o objetivo primario de todos os seres deste Universo é seguir na direção da Fonte, do Criador, daquele que é.

    1. Querido Fabio, é isso mesmo meu irmão! Se eu puder dizer uma coisa para você, diria: Não tenha medo da sombras. Todos nós as temos e o que nós fazemos com as nossas próprias sombras é o que define que tipo de pessoa nós somos. Até o Bruce Wayne tem sombras. E no seu caso ele se transformou num símbolo de justiça pelo qual vale a pena lutar: o Batman. Abraçar as nossas sombras significa descobrir como podemos tirar o nosso Batman para fora da caverna e seguir a luz do chamado que nos impele a lutar pelos ideais que acreditamos! Abraço grande,
      Sempre avanti! Che questo è lá cosa piú importante!

  2. Acompanhei tua caminhada, na subida até a igreja…e junto acompanhei tuas indagações e reflexões. Temos que ser autênticos, principalmente conosco primeiro!
    Gosto do teu jeito!!
    Um abração!

  3. Oi Juliano, quanta sintonia… tudo isso que você relatou eu senti quando estava assistindo a LIVE da Mônica/Margareth nesta quinta feira (10).

    Concordo com você quando se refere a  imaturidade e incapacidade que temos de sermos livres pensadores.

    Vocês estão fazendo um trabalho brilhante nos mostrando quantas possibilidades a vida pode nos proporcionar quando quebramos os paradigmas a fim de um olhar mais fraterno para vida. Não é fácil.

    Nos seus dias de sombra, de caminhada pelo deserto, lembre-se que tem dezenas, centenas, milhares…. de pessoas que estão em sintonia positiva com você. 

    Bjs.

    Maria Inês.

  4. Ah.. quantas caminhadas como as tuas já fiz! Nas noites traiçoeiras de nossa alma que o vento agita o mar da aflição de pensamentos e emoções bloqueamos realmente a luz do alto que nos acalma e estabiliza dando-nos direção.
    E quando tudo se acalma, percebemos que os tropeços, serviram para nos impulsionar na estrada, que por algum conforto estagnamos, ajustamos o passo e seguimos adiante. Hoje, depois de tantas, já sei que virão outras quedas, tropeços, dúvidas. Mas, logo lembro de respirar, meditar, caminhar e cantar, para que o excesso de energia interna como vento agitado, saia pelos poros rápido e eu possa me acalmar ouvindo minha intuição alinhada com um Poder Maior.
    Gratidão por nos lembrar que somos todos iguais.
    Abraço.

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